A Rola Traquina Do Padre Bento
Nivaldo CruzCredo – 26.04.2012
No meio do sertão da BahiaTinha uma pequena cidadeSem muita diversidadeDas outras que lá existia,Era mais uma sesmariaDentro do chão nordestino,Que cumpria o seu destinoDe viver com a sequidãoQue crava naquele chãoA lei dum clima assassino.No meio de tanta tristezaFome, sede, doença e morte,Religião era esperança e sortePara o cristão que tinha certezaQue ficaria tudo uma beleza,Se se cumprisse as penitênciasE se pagasse as idulgênciasQue o vigário sempre falava,Se ouvissem o que ele pregavaE o sermão das insistências.Tudo que era acontecidoAlí naquele dito local,Fazia parte do malPelo pecado trazido,Por isso o povo era acometidoDe tanta falta de sorte,Da presença constante da morte,Da tristeza sempre presente,Da seca que leva os parentePelos caminho sem norte.É nessa dura realidadeQue vivia o padre Bento,Homem puro e de talentoPra viver da caridade,Ele era de verdadeQuasemente um São Francisco,Não corria nenhum riscoDe cair no tal pecado,Pois era bem vacinadoE de bondade era um arisco.Nessa bondade exemplarO padre era admirado,Por todos bem respeitadoSendo autoridade no lugar,Bastava alguma coisa falarQue todo mundo o ouvia,E em silêncio cumpriaO que ele havia pedido,Sem muxoxo ou gemidoEra assim que acontecia.O padre Bento gostavaDe caminhar pela região,De conhecer cada cidadãoQue naquele lugar morava,Por cada canto que andavaA mata, a caatinga e a cidade,Conheciam sua caridadeE o seu jeito bem protetor,Das coisas que o bom criadorColocou com a humanidade.Planta, bicho e gentePara ele era tudo igual,Não mereciam o malNem se tratar diferente,Pois o padre era crenteQue tudo é parte de Deus,Que são todos filhos seusNão merece menosprezo,Nem tão pouco o desprezoDaqueles que não são ateus.Em uma de suas caminhadasO nosso bom vigário,Vinha rezando o rosárioQuando ouviu umas piadas,Um tanto quanto engasgadasVindas de uma moita de mato,Foi lá constatar o fatoE saber o que acontecia,Viu uma cena que estremeciaE o deixou estupefato.Uma rolinha fogo pagôPor uma cascavél era devorada,Na frente da sua ninhada,O padre uma vara pegouE a cobra escurraçou,Perto do ninho ele viu,E então foi que sentiuUma grande comoção,Um aperto no coraçãoQuando um filhote surgiu.Foi tudo o que sobrouDaquela familia de passarinho,Não tinha mais nada no ninhoCom lágrimas nos olhos olhou,E outro jeito não achouA não ser pegar pra criar,E não deixar maltratarAquela criatura inocente,Aquele ser tão carenteCom ele iria morar.Assim com muito cuidadoPadre Bento se abaixou,Com as duas mãos pegouAquele ser abeçoado,Que teve a sorte de ser achadoPor uma alma bondosa,E por demais caridosaUm defensor da vida,Naquela terra sofridaÁrida, seca e penosa.A criaturinha bem aconchegadaEntre as mãos do padre no peito,Acalmo-se e fez dali o seu leitoFicou bem despreocupada,Na inocência a pobre coitadaNem imaginava o que se passou,E o perigo que enfrentouQue até podia está morta,Mas isso não mais importaPorque o santo vigário lhe adotou.Padre Bento mudou seu roteiroResolveu para casa voltar,Para melhor poder cuidarDo passarinho aventureiro,Que carecia de cuidado inteiroPor ser tão frágil e pequeno,Num tinha direito o empenoA pobre da avizinha,Que agora por certo tinhaUm lar tranquilo e sereno.No caminho ia pensandoComo da criatura cuidar,O que fazer para alimentarTudo isso ia matutando,Foi assim mesmo que quandoUma ideia lhe acometeu,Um sorriso maroto ele deuE olhou para a criaturinha,Seu nome seria SantinhaDisse com o jeito seu.Chegou na casa paroquialTratou logo de arrumar,Para santinha um bom lugarQue não podia ser o quintal,Onde seria comida de outro animalResolveu então colocá-la na camarinha,Perto de um grande baú que tinhaE guardava com muito cuidado,Pois lhe tinha sido dadoPor sua santa mãezinha.Ajeitou um ninho aconcheganteCom muito conforto e carinho,Para dar para aquele serzinhoTudo de mais importante,Seu amor ao ser cheganteTava escrito em sua caraCom uma alegria bem raraQue tomava o seu semblante,Era uma alegria desconstanteDessas que a gente repara.O tempo foi indo, passandoE o amor do padre crescendo,A avizinha também respondendoOs dois iam se apegando,O povo todo tava reparandoNaquela amizade bonita,Que paracia uma fitaEssas coisa de cinema,Que é quando vida temaEm ser coisa esquesita.A primeira preocupaçãoDe como a coisinha alimentar,O vigário achou como ajustarE isso virou até atração,Pro povo da regiãoQue vinha de longe pra ver,Padre Bento dar de comerA sua rolinha fogo pagô,Vinha pobre e vinha doutorSó pra forma poder conhecer.O padre colocava o passarinhoEm cima de uma mesa,Depois com sua espertezaIa até um pequeno cantinho,E atrás das garrafas de vinhoPegava a ração que fabricava,Botava na boca e mastigavaAté virar uma papa, um mingalBotava no bico do animalE esse se deliciava.O povo ia ao delírioComa quele tal espetáculo,E não viam nenhum obstáculoEra até um bom colírio,No cotidiano de martírioDaquela gente sofrida,Ver tanta amizade reunidaNos dois seres abençoados,Que foram bem coroadosCom o que há de melhor na vida.Santinha tava crescendoSob os cuidados do vigário,Que não economizava erárioPra lhe ver desenvolvendo,De tudo ia aprendendoA rolinha era muito da inteligente,Chamava muito atenção da genteSó faltava mesmo falar,E ir rezar missa lá no altarPra esse montão de crente.Com tamanha espertezaSantinha fez até apresentação,Foi o Espirito Santo na grande PaixãoQuem viu diz que foi uma beleza,E até deu muita certezaQue coisa igual nunca existiu,E por aquelas bandas nunca se viuO passarinho era um danado de sabido,Tudo ele tinha aprendidoDo que o padre lhe serviu.Onde padre Bento andavaSantinha também lá ia,O povo admirava então quando viaA forma como os dois ajustava,Pois se um tava quieto o outro paravaEra uma verdadeira combinação,Assim como a farinha e o feijãoA noite com a dama lua,As casas com a sua ruaE todo o tipo de união.Era a tal rolinha do vigárioFalavam os maldosos em gozação,Fazendo anedota da situaçãoJá as beatas faziam o contrário,E até rezavam o rosárioPela a saúde da sabida Santinha,Pois era santa aquela avezinha,De todo jeito ali se falavaDo passarinho que o padre cuidavaE que vivia na sua camarinha.No meio daquilo tudoTinha gente que não gostava,E até mesmo zangavaSe fazendo de surdo mudo,Dizendo que era um absurdoQue o povo tava era cego,Que aquilo era mais pregoE não tinha nada de cruzPois era do diabo num era de JesusAquele bicho de légo.Quem luta pela vidaEncontra muita oposição,Com o padre não foi diferenteAquela opção escolhida,Também era a mais sofridaPois era muito do perseguido,Nunca tinah sido agredidoMas ameaça não faltava,Diria que até sobravaNa vida do sacerdote querido.Alheia e por fora de tudo issoSantinha ia era bem crescendo,A cada dia mais desenvolvendoDando muito trabalho e serviço,Fazendo um consumiçoNos cabelos do seu dono,Que tava perdendo o sonoCom as suas estrepulias,Somadas as tais rebeldiasQue chegavam com o mês nono.A rolinha estava danadaMexia com toda gente,Deixava o padre de cabeça quenteDando em menino bicada,Tava era da muito abusadaA Santinha do bom pastor,Que rezava com muito fervorPara que ela sossegasse,E que por Deus acalmasseTodo aquele grande furor.A Santinha se divertiaCom toda aquela situação,Corria com sacristãoDe dentro da sacristia,Depois sorrindo pareciaCom a carreira do coitado,Que só parava do outro ladoCom a lingua no pescoço,Era o maior alvoroçoCom o que se tinha passado.Certo dia um coronel mandatárioMetido nessa tal de eleição,Resolveu dar no padre uma liçãoE dentro do confessionário,Prenderam o pobre vigárioUns jagunços de aluguel,Vindos a mando do coronelEra pra dar um corretivo,De não deixar o padre vivoE jogar seu corpo ao léu.Mas Santinha tudo percebendoSaiu foi bem desesperada,Fazendo a maior prezepadaPela praça e ruas correndo,O povo que tava vendoFicou muito do intrigado,A rolinha naquele estadoE o padre não estava atrás?Tava acontecendo algo de maisAquilo tava era errado.Uma multidão na igreja adentrouOs jagunços fugiram de medo,No padre não tocaram o dedoAssim Santinha seu amigo salvou,Pagando a dívida que ele não lhe cobrouO tal do coronel pegou foi maleita,E morreu com essa desfeitaAssim a heroína traquina rolinha,Voltou a viver aprontando soltinhaNa sua boa liberdade perfeita.
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